Agrada-me, sobremaneira, conceituar biodiversidade como sendo a exuberância da vida na Terra, incluindo, obviamente, a participação da nossa espécie. Afinal de contas, somos “provenientes” de um longo processo biológico; somos também espécie de “fruto” da biodiversidade, uma vez que nosso corpo mantém mais de 100 trilhões de células compartilhando átomos com tudo o que está ao nosso redor, enaltecendo, pois, a exuberância da vida. Somos todos, em outras palavras, parte do universo.
Carl Sagan (1934 - 1996) asseverou que somos feitos do mesmo pó cósmico que se originou com a explosão das grandes estrelas vermelhas; somos, assim, do mesmo material que compõe uma estrela. Os átomos de carbono, nitrogênio e oxigênio em nossos corpos, assim como os átomos de todos os outros elementos pesados, foram criados em gerações anteriores de estrelas há mais de 4,5 bilhões de anos.
É incrível nos darmos conta de que em cada ser humano (dentro de cada um de nós) há mais seres vivos do que, por exemplo, a população mundial. Temos assim uma íntima relação com a biodiversidade: não é por mero acaso que no corpo de cada ser humano há mais ou menos 71% de água (a mesma porcentagem que há no Planeta Terra), nossa taxa de salinização do sangue (3,4%) é a mesma dos mares.
Simplesmente, 60% do nosso corpo é oxigênio. Se incluirmos o carbono, hidrogênio e nitrogênio existentes no nosso corpo, temos então 95% da massa total do ser humano. De 92 elementos químicos existentes na natureza, 17 deles regulam todo o processo da vida.
Todos os seres vivos, e também o ser humano (cuja origem filológica vem de “húmus” significando “terra fértil, fecunda”), são construídos a partir de um código genético comum (são 30 aminoácidos e quatro ácidos nucléicos).
Acredita-se que há algo próximo a 100 milhões de diferentes espécies vivas (fauna, flora, microorganismos) dividindo esse mundo com a nossa espécie; embora atualmente estejam catalogadas apenas 1,4 milhão de espécies.
O biólogo e entomologista norte-americano Edward Wilson, ainda em plena atividade intelectual em seus 84 anos de idade, nos conta que “num só grama de solo, ou seja, em menos de um punhado de terra, vivem cerca de 10 bilhões de bactérias, pertencentes a seis mil espécies diferentes”.
Participamos ativamente dessa rica convivência biológica, numa verdadeira simbiose (“sim”, em grego, significa “junto” e “bio” é a própria vida). Pela fotossíntese, as plantas, sob a luz do sol, decompõem o dióxido de carbono, “alimento” para elas, e liberam o oxigênio, “alimento” para a nossa vida e a dos animais. Com a participação do gás carbônico e da água, as plantas, nesse processo, produzem açúcares.
A partir disso, outras substâncias são produzidas, como as proteínas e as gorduras que formam nossos corpos.
Igual importância reside nas estrelas, que além de iluminar as noites, tem a função de converter o hidrogênio em hélio e, da combinação entre esses gases, provém o oxigênio, o carbono, o nitrogênio, o fósforo e o potássio. Sem essa rica combinação não haveria os aminoácidos e nem as proteínas indispensáveis à vida. Pois isso tudo engloba a biodiversidade, esse termo cunhado pela biologia.
Absolutamente tudo o que for feito à biodiversidade, às diferentes espécies de vida, também será feito a nós, e nos atingirá por completo. Agredir os ecossistemas, a biosfera (conjunto de todos os seres vivos, das amebas às baleias, das algas às árvores, dos vírus aos homens) é agredir à própria vida.
Lamentavelmente, ações antrópicas tem se dado de forma veemente no sentido da dilapidação natural. Estudos apontam que entre 1500 e 1850 foi presumivelmente eliminada uma espécie a cada dez anos. Entre 1850 e 1950, portanto, em cem anos, eliminou-se uma espécie por ano. No entanto, com o avanço das atividades humanas sobre a natureza, a partir de 1990 está desaparecendo uma espécie por dia.
As estimativas para o futuro são ainda mais estarrecedoras. De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza, no mundo, por volta de 11% das espécies de aves, 25% dos mamíferos, 20% dos répteis, 34% dos peixes e 12% das plantas estão ameaçadas de desaparecer para sempre nos próximos cem anos.
Quando pensamos que toda a atividade humana se desenrola dentro da ecosfera (dividida em quatro camadas: atmosfera, biosfera, hidrosfera e litosfera), nos damos conta da real e intrínseca dependência que temos das coisas da natureza, quando dela extraímos todos os recursos necessários à produção e, para ela devolvemos resíduos e rejeitos resultantes dessa ação.
Por isso é necessário – imprescindível, diríamos com mais ênfase - um cuidado (a palavra “cuidado”, segundo a filologia, deriva do latim cura, termo usado em condições de amor e de amizade) todo especial para com a biodiversidade, bem como em relação ao planeta que nos abriga.
Para tanto, todas as ações políticas e, principalmente, as econômicas (visto que a economia é o eixo articulador de uma sociedade) deveriam, primeiramente, se pautarem nas premissas dos enunciados ecológicos, expressos na busca da sustentabilidade, ou seja, de uma ação que procura devolver o equilíbrio à Terra e aos ecossistemas; que procura, outrossim, preservar a biodiversidade.
Avanços e estratégias nesse sentido têm sido conquistados nos últimos tempos. Vejamos, por exemplo, que são cinco os objetivos estratégicos que compõem o projeto intitulado “Década da Biodiversidade”, lançado pela Organização das Nações Unidas, em 2010, cobrindo um período de análise de 2011 a 2020.
Os objetivos em pauta desse projeto são: 1) abordar as causas da perda da diversidade biológica mediante a incorporação do tema pelos governos e sociedade; 2) promover o consumo sustentável; 3) proteger os ecossistemas, as espécies e a diversidade genética; 4) desenvolver um plano global de biodiversidade e; finalmente, 5) aumentar os benefícios para todos os serviços que impliquem a preservação da diversidade biológica e dos ecossistemas.
No ano do lançamento do projeto, o balanço sobre o estado da biodiversidade apresentado pela ONU concluiu que a biodiversidade está se extinguindo especialmente em zonas úmidas do planeta, como habitats de gelo marinho, pântanos salgados, recifes de coral, bancos de algas marinhas e de moluscos. Quanto às espécies de vertebrados, o relatório apontou que desde 1970 houve um “encolhimento” de quase um terço dessas espécies existentes no globo.
Biodiversidade brasileira
O Brasil está entre as nações com maior índice de biodiversidade no mundo com quase 20% de número total de espécies da Terra e 12% dos recursos hídricos do planeta – perfazendo 5,4 trilhões de metros cúbicos -; nossa costa marinha possui 3,5 milhões de Km2.
Lamentavelmente, em termos de água, desperdiçamos 46% dela. Isso daria para abastecer toda a França, a Bélgica, a Suíça e o Norte da Itália.
Especificamente em relação à nossa biodiversidade, é oportuno apontar que essa riqueza natural ocupa lugar de destaque na economia nacional. Dados elaborados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) destacam que o setor de agroindústria, sozinho, responde por cerca de 40% do PIB brasileiro; o setor florestal, por sua vez, responde por 4%; e o setor pesqueiro, por 1%.
Produtos da biodiversidade em relação à agricultura respondem por 31% das exportações brasileiras, com destaque para o café, a soja e a laranja. As atividades de extrativismo florestal e pesqueiro empregam mais de três milhões de pessoas. A biomassa vegetal, incluindo o etanol da cana-de-açúcar, e a lenha e o carvão derivados de florestas nativas e plantadas respondem por 30% da matriz energética nacional – e em determinadas regiões, como o Nordeste, atendem a mais da metade da demanda energética industrial e residencial.
Além disso, grande parte da população brasileira faz uso de plantas medicinais para tratar seus problemas de saúde.
Para não prolongarmos mais o assunto, cabe resgatar um trecho do discurso do cacique Seattle, da etnia dos Duwamish, proferido diante de Isaac Stevens, governador do território de Washington em 1856, que evidencia de forma precisa nossa relação para com a Terra: “De uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem. É o homem que pertence à terra. Todas as coisas estão interligadas entre si. O que fere a terra, fere também os filhos e filhas da Mãe Terra”.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista.
Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo.
prof.marcuseduardo@bol.com.br